POR CRIS OLIVIERI para O GLOBO 13/03/2016
Embora não aconteça com outros incentivos fiscais, a Lei Rouanet é debatida constantemente nos meios de comunicação. E conta com a participação inflamada de produtores, artistas e do próprio Ministério da Cultura (MinC). Na maior parte das vezes, algum bode expiatório é eleito para ser criticado pelo uso de incentivos. Regularmente, a partir de um fato isolado, todo o mecanismo do mecenato é criticado como se fosse equívoco, ou desmando do começo ao fim. O MinC, normalmente, é o primeiro a apresentar críticas. Esquece que suas entidades vinculadas são grandes beneficiárias do mecanismo. Não assume que muitos dos processos esquizofrênicos foram por ele criados. Apresenta críticas ressentidas ligadas, na verdade, ao fato de que não pode definir critérios de escolha de projetos nem gastar a verba diretamente. Por fim, retira-se do debate em defesa de artistas e de eventual melhoria de projetos e do mecanismo em vigor, justificando que tem uma lei no forno — o Procultura. O Procultura, se aprovado, poderá até representar avanço e modernização dos procedimentos, mas não terá poder de mudar o que parece ser o real ponto a ser debatido: pode uma lei de incentivo fiscal representar a totalidade da política cultural de um governo? O mecenato foi criado para ser uma das ferramentas de financiamento e apoio à cultura, mas foi transformado na única opção para produtores e artistas. O MinC gasta pouca ou nenhuma energia no seu papel de pensar estratégias para a área, estruturar parcerias com demais ministérios, criar relações internacionais, facilitar burocracias entre países e instituições, disponibilizar espaços. Enfim, reivindicar um papel mais importante no governo, tanto de orçamento quanto de estratégia. E, quando cobrado de suas ações, ora apresenta satisfeito os resultados impressionantes da lei, ora a desqualifica por não ter pago contas ou preenchido todos os anseios. A gestão do ministério que critica a própria existência da Lei Rouanet, desprezando resultados importantes, não propôs nada de diferente. Através da lei, foram destinados cerca de R$ 14 bilhões para a cultura, o que possibilitou o acesso de muitos brasileiros a novos museus e atividades artísticas que antes não eram realizadas aqui. Esse mecanismo foi criado com a compreensão e concordância de que logomarcas e empresas seriam divulgadas e se beneficiariam dessas ações. O papel dessa renúncia é desenvolver e fortalecer o segmento, através de geração de receita, profissionalização do setor, garantia de acesso público e divulgação do patrocinador. Não é crime, aliás é salutar, que projetos gerem bilheteria e lucro. Enquanto o cinema, com a Lei do Audiovisual, é parabenizado quando alcança grandes bilheterias, exposições e shows são demonizados quando se tornam blockbusters. A solução proposta — o Procultura — é mais uma lei de renúncia fiscal que substitui a atual, e, ainda que se pese algum avanço, está requentando o que já existe. As características — positivas e negativas — do incentivo fiscal sobreviverão às novas leis. Caberia ao Estado propor mecanismos e ações para além do incentivo fiscal que consigam compor uma política cultural mais abrangente e inclusiva. Mas isso só será possível com outras propostas. Sem elas, caberá à Lei Rouanet apanhar toda semana porque não é o que não tem a menor condição de ser. Todo mecanismo precisa de ajuste, mas é certo que uma política abrangente só virá de vontade política e de mudanças na atuação e na presença de nosso ministério. *Cris Olivieri é advogada, consultora da área de cultura e autora do livro “Cultura Neoliberal — Leis de incentivo como política pública de cultura”