Artistas, cujas obras estão expostas no Centro Cultural Helio Oiticica, estão sendo ameaçados na internet
RIO — Deputados estaduais se mobilizam contra exposições no Centro Cultural Hélio Oiticica e pediram ao prefeito Marcelo Crivella a censura de obras. Nesta quinta, o deputado estadual Capitão Paulo Teixeira (Republicanos) pediu a a retirada de uma peça da residência artística Lavra, que faz alusão a relação do autor com a Aids e que ilustra a Virgem Maria com um seio nu e um órgão masculino, com a inscrição "Deus acima de tudo, gozando acima de todos". O também parlamentar Márcio Gualberto (PSL), ligado à igreja católica, já havia se posicionado, pedindo, nas redes sociais, em plenário e em ofício, explicações à casa cultural e ao município. Outros alvos foram a exposição Cine Desejo, e a obra "Trabalho Doméstico". Amedrontados, os artistas dizem que receberam ameaças na internet.
No primeiro andar do espaço, está em cartaz a exposição Cine Desejo, da artista Carolina Valansi, com referência a imagens e cartazes da indústria de cinema pornográfico. Já o segundo andar está abrigando a residência artística Lavra. Inaugurado no último sábado, o trabalho reúne seis residentes, que são alunos e formandos da UFRJ, que convidaram mais de 50 artistas para expôrem obras obras e realizarem performances experimentais sobre o corpo e trabalho.
Na manhã desta quinta, uma equipe da secretaria municipal de Cultura esteve no espaço e pediu que a classificação, que era de 10 anos, fosse mudada para 16 anos. As peças ainda estão na exposição. Por enquanto, o Centro Cultural informa que não recebeu qualquer determinação para retirá-las. Procurada, a prefeitura ainda não se manifestou.
Na quarta, o deputado Marcio Gualberto esteve no centro cultural, e filmou as obras que ele julgou ofensivas. Depois, ele enviou um requerimento de informações ao prefeito Marcelo Crivella e ao secretário de Cultura Adolfo Konder pedindo explicações e informações sobre o trabalho. Seu principal alvo foi a obra "Todxs xs santxs - renomeado - #eunãosoudespesa", de Órion Lilla, que utiliza a imagem de Virgem Maria.
"O espaço, da Secretaria Municipal de Cultura do Município, dedicado à diversidade da produção artística contemporânea, exibe um absurdo escárnio da fé cristã. Um ultraje aos símbolos religiosos e até mesmo a valores caros ao Presidente da República. Isso é liberdade de expressão? Vou pedir explicações aos responsáveis pelo espaço e à Prefeitura do Rio de Janeiro", afirmou Gualberto em sua rede social, em texto acompanhado de um vídeo onde ele visita a peça na exposição.
— Não se trata de censura. A lei não permite censura. Mas também não permite que se cometa vilipêndio ao sentimento religioso, seja qual for a crença: católico, espírita, evangélico... — disse Paulo Teixeira, que encaminhou um pedido a Crivella para que ordene a retirada do quadro.
A obra faz parte de uma série que fala sobre o HIV. O artista, o paulista de 25 anos Órion Lalli é soropositivo e militante da causa LGBTQ+. Antes mesmo da exposição, quando ainda estava desenvolvendo o trabalho, Lalli diz que passou a receber ameaças na internet.
— Não sei quem era, porque sempre trocava de perfil no instagram. Mas a pessoa me mandava fotos minhas na rua e me ameaçando — afirma ele, que está com medo do que pode vir a acontecer. — Não sei para onde corro, não sei se tenho respaldo da polícia, até porque o deputado Gualberto é inspetor da polícia civil. Não sei o que fazer, estou perdido. Meu medo é como me protejo agora. Fica claro que estamos vivendo numa ditadura.
Lalli defende que sua obra, que traz a imagem de Rosa Maria Mystica, a Virgem Maria, com colagens de seu corpo por cima, não é uma ofensa à religião. Ele diz que usou as imagens para falar sobre corpos, sexo e HIV.
— É uma questão imagética. Eu falo desse corpo que vivo com HIV — explica o artista, que ano passado precisou passar meses fora do Brasil, e teme ter que repetir a viagem. — Vejo que as pessoas não estão entendendo nada. E nem cabe a mim explicar a obra.
Outra obra alvo de críticas na internet é o "Trabalho Doméstico", de Julia Vita, de 24 anos. Assim como Lalli, ela diz que está recebendo ameaças na internet. O problema começou quando a página "Jessicão, a feminista" repostou um vídeo seu sobre a obra, antes do início da exposição.
— Estou sofrendo ameaça, ofensa, meu rosto está sendo divulgado. Recebi a mensagem "morre vadia", e outras pessoas ficaram citando uma suposta "vigilância". Depois vi que o deputado Gualberto foi chamado de "vigilante" por um seguidor dele nos comentários do vídeo — explica ela, que lamenta a falta de respaldo do Centro Cultural Helio Oiticica. — Ainda não recebemos apoio ou suporte institucional. E avisei que as postagens na internet estavam ganhando muita dimensão.
A obra de Julia consiste no acúmulo de camisinhas usadas por ela em relações sexuais. Ela cita que seu trabalho não tinha o propósito de chocar, apesar de admitir ser uma imagem que incomoda.
— Fiz como um trabalho íntimo, silencioso — diz a poeta e artista, formada na UFF.
Para a artista visual Caroline Valansi, da exposição Cine Desejo, os deputados mostraram "falta de compreensão" sobre a arte. Ela lamenta a ausência de diálogo e a utilização de discurso de ódio.
— A arte está aí para questionar, mostrar coisas diferentes. Não é para ser unanimidade — explica ela, que reuniu cartazes e imagens históricas do cinema pornô. — Falar de sexo nunca foi fácil. Mas temos nudez o tempo todo nas nossas vidas, qual o problema disso? Lamento que essa polêmica faz com que a exposição vire outra coisa, a partir do olhar dos deputados.