Conheça a Lei Rouanet e outros dois instrumentos de patrocínio artístico do país Kevin Kamada, para politicando.blog - 11/04/2019


Nos últimos anos, a produção cultural no Brasil tem estado no centro de importantes discussões sobre suas formas de financiamento. O principal mecanismo utilizado no país é a Lei Federal de Incentivo à Cultura, mais conhecida como “Lei Rouanet”, alusão ao nome de Sérgio Paulo Rouanet, então ministro da Cultura do presidente da República, Fernando Collor de Melloem 23 de dezembro de 1991. Quase três décadas após sua criação, a norma que possibilita que muitas obras artísticas saiam do papel está no alvo de críticas. De um lado, apoiadores enxergam na lei uma ferramenta imprescindível, mas ainda insuficiente, para fomentar a manifestação cultural. Do outro, seus críticos questionam supostos privilégios e apontam fraudes reveladas por uma investigação da Polícia Federal. Independente da opinião, a Lei Rouanet continua financiando obras de diferentes opiniões e visões de mundo, que permitem aos seus espectadores não apenas a apreciação de um bom produto, como o contato com o diferente e o exercício do senso crítico.

Pesquisa da Fundação Getúlio Vargas em 2018 revelou que em 27 anos de existência, a Lei Rouanet movimentou, direta e indiretamente, cerca de R$ 50 bilhões (Foto: Leandra Felipe/Agência Brasil)
É comum dizer que a Lei Rouanet funciona como a lei do “mecenato”, em referência a uma prática criada no período do Renascimento Cultural, na Itália. Naquela época, os mecenas eram famílias tradicionais burguesas que pagavam para que artistas e escritores produzissem trabalhos a seu respeito, como uma forma de obter reconhecimento e prestígio perante as outras pessoas. Essa modalidade de financiamento deu origem a importantes textos, pinturas e até mesmo esculturas exaltadas até hoje. No Brasil, a Lei Rouanet atua de forma parecida, com base na declaração de imposto de renda feita anualmente pelos contribuintes à Receita Federal. Ao enviar a documentação, os brasileiros têm a opção de doar ou não parte do IR para apoiar projetos culturais. O limite é de 4% para pessoas jurídicas e 6% para pessoas físicas. Todos os recursos fiscais arrecadados são gerenciados pelo Ministério responsável – hoje, o da Cidadania, que engloba a Secretaria Especial da Cultura. Nesse ponto, não há qualquer aplicação de recursos próprios do Governo Federal para financiar as obras. Paralelamente, produtores artísticos podem cadastrar suas ideias e projetos culturais a todo tempo. Com alguns formulários, especificações obrigatórias e regras eles podem protocolar suas criações para pleitear o financiamento. Todo o processo é feito pela internet por meio do Sistema de Apoio às Leis de Incentivo à Cultura (Salic). As propostas são analisadas por especialistas da Secretaria, que ficam responsáveis por atribuir ou não um selo que qualifica a ideia enviada. Caso o projeto seja adequado, ele poderá ser apresentado aos “mecenas” procurados um a um. Dentro do limite de cada categoria – se pessoa física ou jurídica – cada patrocinador decide se financia ou não o projeto. Tripé do fomento à cultura A Lei Rouanet é apenas o primeiro de pelo menos três eixos que, juntos, permitem estimular a produção cultural no Brasil. O Fundo Nacional de Cultura (FNC) representa o investimento do Estado brasileiro para estimular a Cultura. O fundo é essencialmente abastecido, dentre outras fontes, por um percentual de 3% do valor bruto arrecadado pelas loterias federais e pelas doações. Outra vertente é o Fundo de Investimento Cultural e Artístico (Ficart), mas que ainda não foi regulamentado. Nessa modalidade, semelhante aos investimentos em ações de uma empresa nas bolsas de valores, apenas projetos com elevado potencial econômico e de reputação poderiam concorrer, e o investidor teria a chance de lucrar com o financiamento.
Em 2006, o Ministério da Cultura concedeu R$ 9,4 mi ao grupo Cirque Du Soleil para a vinda do espetáculo “Saltimbanco” ao país (Foto: Reprodução/YouTube)
Pontos de vista As críticas ao modelo de funcionamento da Lei Rouanet se intensificaram durante a eleição presidencial de 2018. A campanha do vencedor do pleito, o presidente Jair Bolsonaro (PSL), questionava a centralização dos patrocínios para produtores culturais da região Sudeste. Os apoiadores do então candidato também criticavam o favorecimento de artistas consagrados, em detrimento dos pequenos produtores. A advogada especializada em cultura e integrante do Fórum Brasileiro pelos Direitos CulturaisCris Olivieri, observa que a Lei Rouanet cumpre um importante papel, mas que depende das alternativas de captação para atender bem a todos os produtores culturais. Ela ainda pontua que o FNC tem sofrido com sucessivos cortes de recursos nos últimos anos, o que vem prejudicando a ampla cobertura das leis de incentivo. “Os governos vêm contingenciando o dinheiro, que não chega ao Ministério para que ele faça os editais e distribua a verba”, pontua. Dados do extinto Ministério da Cultura, confirmam a grande diferença entre os valores anunciados nas Propostas de Lei Orçamentária (PLOA) – documento apresentado pelo Governo ao Congresso para aprovar as contas do ano seguinte – e os montantes efetivamente investidos.
Os últimos dados liberados sobre o FNC são de 2016, ainda sob o extinto Ministério da Cultura (Infografia: Kevin Kamada)
Cris ainda pontua que é preciso ter um olhar atento para o retorno que o investimento em cultura pode trazer para a sociedade. “Tem uma série de informações que às vezes não condizem com a realidade. Os projetos maiores – museus, grandes orquestras – realmente precisam de um valor maior. Mas, por outro lado, oferecem formação gratuita o ano inteiro para a população”, observa.   Clique aqui para acessar matéria original